I Samuel, 17:38-50
Em data desconhecida, mas que se situará pelo segundo quartel do século XV, pela primeira vez desde a antiguidade clássica, foi completada uma escultura autónoma - que não inserida numa peça decorativa ou arquitectónica - de um nu masculino. O atrevimento coube a Donatello, que moldou em bronze um David vitorioso, com um pé assente sobre a cabeça de Golias, a quem acabou de decapitar. Quase seiscentos anos depois, a pose sinuosa, adolescente, francamente andrógina, a nudez reforçada pelo chapéu e pelas botas, a pena do capacete de Golias que roça a perna e a coxa de David, transmitem ainda audacidade, erotismo, e uma atmosfera fetichista. E antes de me julgarem pervertido, aviso já que não sou o pior.
O mesmo David, desta feita deambulando pensativamente antes da batalha, num momento de conflito interno, foi resgatado do mármore por Miguel Ângelo em 1504. Nas seis ou sete décadas que decorreram entre a realização de ambas as peças, o renascimento amadureceu, e o classicismo atingiu o seu auge: o efebo fez-se homem, o corpo musculou-se e emasculou-se, e ganhou contornos idealizados, platónicos.
Cento e vinte anos mais tarde, Gian Lorenzo Bernini retratou David no auge do combate. O estilo é já barroco, a tensão física é evidente, o rosto é intenso e contorcido, e todos os músculos do corpo transmitem dinâmica e força e agressividade.
O que me fez lembrar Sabina nua e de chapéu em "a insustentável leveza do ser" de Kundera.
ResponderEliminarOu a Mistral nua e de botas a desenhar num quarto de um hotel em paris em "o templo das mulheres" de Vlady Kociancich.
ana conda