quinta-feira, 15 de outubro de 2009

a múmia, o insecticida, e a vaca mijona



Lá estava, lá aparecia nos écrans dos televisores a descrição de Lozano: entre os sinais particulares, assinalava o cabelo louro e os olhos verdes, “olhos verdes, emerald green”, insistia a voz do entrevistado, “verde veronèse, na designação francesa”, uma cor, bem conhecida dos pintores, que se obtém pela combinação do arseniato com o acetato de cobre. Tratava-se da mais venenosa de todas as cores, começou a explicar o entrevistado, mas nessa altura já o écran era percorrido pela aparição voador a planar muito serena sobre o Alto Juá, em imagens de acaso filmadas por um turista japonês.
José Cardoso Pires, Alexandra Alpha

No seguimento da historieta de ontem, mais meia-meia-dúzia de cores:

O aceto-arsenito de cobre foi descoberto em 1808 e começou a ser comercializado como um pigmento para pintura (conhecido como verde esmeralda, ou verde de Paris) em 1814. O tom era bonito, Cézanne adorou, tal como Monet e Van Gogh. Tudo gente com saúde acima de qualquer suspeita. Cinquenta anos depois fazia furor como veneno contra ratos, escaravelho da batata, mosquitos transmissores de malária, e pestes em geral. Pelo meio causou umas quantas mortes e doenças esquisitas, mas lá que dava um belo verde... Supõe-se que Napoleão tenha morrido em consequência de um tom idêntico no papel de parede. Um conselho: muitas cautelas na escolha do decorador de interiores.

Introduzido na Índia pelo século XV, provavelmente com origem na Pérsia, o pigmento que se segue chegou à Europa já perto de 1800. O amarelo da Índia, assim lhe chamavam, era produzido a partir da urina de vacas alimentadas exclusivamente com folhas de mangueira. É que nem ao menos as deixavam comer a fruta. Diz-se que a sua utilização foi proibida por simpatia para com os bichos, mas o mais provável é que tenha simplesmente caído em desuso em favor do amarelo de cádmio.

Para terminar, um excerto do The Times de 2 de Outubro de 1964:

Uma das cores preferidas dos pintores Pré-Rafaelitas era chamada castanho-múmia – e não por piada. Tratava-se de um pigmento de tom quente, feito da massa que os antigos Egípcios usavam para embalsamar os mortos, e famosa pela sua capacidade de conservação.
Mas agora o castanho-múmia esgotou-se. Geoffrey Roberson-Park, gerente dos conhecidos produtores de tintas C. Robertson de Londres, reconhece com tristeza que a firma já não tem mais múmias. “Talvez tenhamos uns membros desemparelhados para aí algures”, justificou-se, “mas não o suficiente para fazer mais tinta. Vendemos a nossa últma múmia completa há alguns anos por, penso, três libras. Talvez não o devêssemos ter feito. O certo é que não conseguimos arranjar mais.”

Já agora, a pintura lá em cima é A Véspera de Santa Inês, por John Everett Millais, inspirada no poema de Keats. Tem verde e é pré-rafaelita, foi o que se arranjou.

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